segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Berço Esplêndido

Subi na Avenida Paulista às 7:02, saindo da estação metroviária Brigadeiro. Andando para a direita da saída próxima aos bancos, poderia chegar ao hospital onde nasci. Marchei à esquerda, rumo à Faculdade Cásper Líbero, ao meu curso rotineiro de Comunicação Social, especialidade em Jornalismo.

Sou Pedro. Tenho nome rochoso, de superfície áspera, seca, que ralada fica árida. Paulistano, paulistano de ter nascido no Hospital Santa Catarina, que não tem nada a ver com uma certa unidade da federação que é sulista, mas que se localiza na avenida que é uma coqueluche na memória de qualquer habitante desse lugar, uma avenida que revela alguns terços de nossa personalidade. Tal como essa avenida, tenho dificuldade de ler Guimarães Rosa. Por mais que digam que regionalismo mineiro, ou nordestino, ou qualquer outro, tenha sido fundamental para a formação de nosso caráter, não adianta, minha cabeça funciona feito caleidoscópio, feito mestiço que ninguém deseja ser. Ao invés de abraçar uma etnia, a minha personalidade fica meio desfigurada, meio sem expressão. Pinça algumas coisas que acredita serem fundamentais, mas não mergulha de cara em nada.

Pedro. Zambarda de Araújo. Zambarda do italiano, de Trento. Sonoridade bizarra, cansada, largada. Zambarda soa muito largado. Zambarda é zoado. Sisudo, exausto. Araújo é comum, tem traço e brasilidade claros. Comum demais para alguns, até pra mim. Vem da araúja, trepadeira com flores. Nome de planta é bonito de explicar. Bonito pois, depois de denominar, pode ser usado para comparações. É como nomes de santos ou nomes estúpidos. Você pode perder muito tempo divagando neles. Mas ainda não acho os meus tão bobos assim, embora reflitam história de meus antecessores.

Fiz 19 anos de idade hoje. Estava no meu berço, na minha faculdade, no meu hospital. Estava num possível livro que posso publicar. Estou num futuro incerto, num carinho discreto. Fiquei caminhando na "mais paulistana das avenidas paulistanas" porque tinha ocupações. Mas mergulho nesse centro, nesse meio, pois sou um dos poucos estrangeiros nativos, um dos poucos estranhos do ninho, não estou simplesmente metido nesse nicho.

Estou no berço esplêndido, mas sem dormir, como na oração cândida. Estou no útero materno, nos conselhos paternos, numa felicidade do fraterno.

Sou de um tempo conturbado, de impasse, como se o vento dispersasse. Sou de outros tempos, sou de algo fora da história, de algo que recria memória. Sou pedra, rocha que rola, som da guitarra que rosna. Sou cravo e carta. Escravo da minha arma, a liberdade.

Escrito com fragmentos de outros textos meus, não publicados, além de fatos do dia de hoje.

2 comentários:

Anônimo disse...

É brasileiro, é inteligente, é paulista, é amigo. E se fosse diferente, não seria Pedro Zambarda de Araújo.
=)

ítalo puccini disse...

Outra belíssima construção escrita. Muito voltado para o registro literário. Gostei.

Aproveito, então, para os "parabéns pra vc (...) muitas felicidades" :D

Toca em frente. És um entre um milhão, sabes. Sempre bom lê-lo.

abraços,
Í.ta**